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Novos hábitos mudam estratégia de empresas para vendas pós-Covid

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«Muita gente passou a comprar online durante a pandemia e teve uma boa experiência. Não vão voltar atrás.»

Formada em direito e engenharia de produção, Juliana Azevedo estava confortável à frente da Procter & Gamble no Brasil até que precisou mergulhar fundo nos estudos sobre ciência e saúde –para garantir a volta da equipe às fábricas e entender o novo patamar do consumo de higiene pessoal e limpeza– e nos estudos do filho de 11 anos, que passou a ter aulas remotas.

Na vida agitada entre o trabalho e os compromissos sociais, Paulo Corrêa ficava pouco tempo em casa. Agora descobriu cantos inéditos no próprio lar, como a escada que dá vista para o céu e árvores, um lugar perfeito para tomar um chá enquanto repassa mentalmente as estratégias de venda da empresa que dirige, a C&A.

Já Pablo Di Si diz que quer viajar cada vez menos para a Alemanha, sede da Volkswagen, cuja filial ele dirige na América Latina. «As reuniões funcionam bem remotamente.»
Não foi só a vida dos líderes de grandes empresas que mudou com a Covid-19, mas a de toda a sociedade. Mais do que o uso intensivo de internet e a preocupação crescente com saúde, o consumidor do pós-pandemia inverteu prioridades, adotou novos hábitos e passou a cobrar das marcas atitudes em torno de causas sociais e ambientais.

A Folha ouviu líderes de grandes companhias para saber as principais mudanças no comportamento do consumidor que vieram para ficar, mesmo com Covid sob controle. Comum a todos os setores, seis tendências indicam que ele não será o mesmo do início de 2020.

1 – Tempo do consumidor

A possibilidade de trabalhar e estudar remotamente durante a pandemia conferiu a parte da população um ganho expressivo de tempo. Não era preciso passar horas no trânsito e a grande parte das demandas diárias –compras, banco e até consultas médicas– passaram a ser feitas pelas telas.

Nesse cenário, qualquer coisa que facilite o dia a dia ganha pontos junto ao público. Para entender o que ele precisa, as empresas perceberam o básico: é preciso seguir de perto o consumidor e oferecer soluções rápidas e cômodas.

«Somos fanáticos por pesquisas», diz Paulo Camargo, presidente da divisão Brasil da Arcos Dorados, detentora da marca McDonald’s na América Latina. A empresa realiza 1 milhão de entrevistas com consumidores ao ano, só no Brasil. A média se manteve durante a pandemia, com atenção ao que se fala nas redes sociais (social listening).

Foi assim que o McDonald’s identificou que precisava apostar na estratégia 3D: delivery, drive-thru e digital. Surgiram o Méquizap (robô de comunicação via WhatsApp), o Méqui Sem Fila (compra remota e retirada do pedido no balcão) e uma plataforma só para drive-thru. «É preciso diminuir o nível de complexidade no dia a dia do consumidor.»

Para Marcel Motta, diretor-geral no Brasil da empresa de pesquisas Euromonitor International, proporcionar ganho de tempo e praticidade não é uma tendência nova, mas ganhou robustez muito maior após a pandemia.

O faturamento global do ecommerce deve atingir US$ 2,8 trilhões neste ano, diz a consultoria. «Em 2024 será de US$ 3,8 trilhões, quando um terço das compras feitas nos EUA e na China será online.»

No Brasil, a expectativa é que esse patamar chegue a 18% em 2025, ante os atuais 14%.

«No Brasil, só em 2020, houve um salto de US$ 10 bilhões no faturamento online, para US$ 26 bilhões», afirma Motta.

«Muita gente passou a comprar online durante a pandemia e teve uma boa experiência. Não vão voltar atrás.»

2 – Presença on e offline

Não é só o comércio eletrônico que facilita a vida do cliente. Estar presente em todas as ocasiões de compra ajuda quem tem escassez de tempo e a atenção muito dividida.

É a estratégia omnicanal, ou «omnichannel». Significa tornar possível a compra onde quer que o consumidor esteja: assistindo à TV, passeando pelo feed do Instagram, conectado ao aplicativo da empresa, lendo mensagens no WhatsApp ou pesquisando na loja um produto que só tem no site da varejista.

«Os shoppings sempre funcionaram como minicidades, são um microcosmo à parte em que o consumidor encontra tudo e socializa», diz Ruy Kameyama, presidente da administradora de shopping centers BR Malls, que tem 31 empreendimentos no portfólio, entre eles Villa-Lobos (SP), Estação BH (MG) e NorteShopping (RJ).

A partir da pandemia, em que os shoppings ficaram cerca de seis meses fechados, incluindo as restrições de horário, foi preciso rever o modelo de negócio.

«O número de ocasiões de consumo dentro de casa subiu de três para cinco durante a pandemia», diz Ellen Wedemann, diretora-geral no Brasil da multinacional de pesquisas Kantar. Ao mesmo tempo, afirma, o número de lojas que o consumidor passou a visitar diminuiu de oito para quatro, com parte das compras realizadas remotamente. Daí a importância de estar presente em cada vez mais ocasiões de compra.

Mas a nova fronteira da concorrência no varejo passa por quem tem o produto e é capaz de entregá-lo mais rápido, ou seja, exige abastecimento e logística azeitados.

«No quarto trimestre, começamos a oferecer entrega no mesmo dia e hoje já estamos com a modalidade em 500 cidades do país, com todas as 1.100 lojas funcionando como hubs logísticos», diz Roberto Fulcherberguer, presidente da Via, companhia que reúne as bandeiras Casas Bahia, Ponto e Extra.com, além da fabricante de móveis Bartira.

No início da pandemia, Fulcherberguer equipou todos os 20 mil vendedores para a venda digital. Surgiu o «Me chama no Zap», que tornou a equipe disponível online, de segunda a sábado, das 9h às 17h30. O digital já representa metade do que é vendido pela Via.

3 – Cliente vendedor

O isolamento trouxe a maioria maciça dos consumidores para o digital. Com isso, aquela voltinha no shopping, no parque ou na praia virou um passeio pelo feed do Instagram, do Facebook e do TikTok. Foi justamente para lá que as empresas migraram.

No primeiro trimestre de 2021, o faturamento do comércio eletrônico no Brasil cresceu 38,2% em relação ao mesmo período de 2020, segundo a consultoria Ebit|Nielsen. A alta foi motivada pelas redes sociais, cujas vendas avançaram 45% na comparação anual.

O poder das influenciadoras digitais, por sinal, foi decisivo para movimentar o varejo de roupas nesses 15 meses de pandemia. Com baixo nível de socialização e muita gente trabalhando de pijamas, usar a mesma roupa de alguém que faz sucesso nas redes foi um diferencial.

Foi assim que a C&A lançou uma coleção exclusiva com Juliette, vencedora da 21ª edição do Big Brother Brasil, que bateu recorde de audiência neste ano devido à pandemia.

Mas as empresas começaram a ir além dos likes e a transformar a consumidora das redes sociais em vendedora da marca. A C&A criou o programa Minha C&A no ano passado e hoje já soma 4.000 lojinhas.

No Minha C&A, consumidoras selecionadas se tornam donas de uma «lojinha» hospedada no site da marca. Elas têm autonomia para personalizar o espaço com a seleção de até 24 produtos, que podem ser divulgados da forma que quiserem. Elas ganham uma comissão de 8% a 10% sobre o preço final.

O programa Minha Sacola, da Renner, é ainda mais significativo e soma 27 mil afiliados. A varejista foi além e lançou o projeto Fashion Delivery, em que clientes selecionados recebem uma mala recheada de roupas com o seu estilo.

«É uma solução que usa inteligência artificial para levar uma seleção de produtos que sejam a cara do cliente, recebidos na própria casa. Faz parte da nossa estratégia de encantamento», diz o presidente da Renner, Fabio Faccio.

Caso o consumidor goste de alguma peça, ele indica por WhatsApp quais são e recebe um link para pagamento. As demais peças são devolvidas para a varejista pelo delivery da rede. A estratégia começou com a marca Youcom, de moda jovem, e já foi estendida para a Ashua, marca plus size do grupo, e para a Renner.

«Essas iniciativas trazem fluxo maior para os canais digitais», diz Faccio.

4 – Empatia com o bolso

O orçamento do consumidor ficou muito mais enxuto durante a pandemia. Quem não perdeu o emprego teve que lidar com redução temporária de salário ou, muitas vezes, viu o negócio próprio minguar sob os efeitos do isolamento social.

Daí a importância de mostrar empatia com o orçamento reduzido e apresentar soluções que possam se encaixar à nova realidade, mais econômica.

«Os computadores pessoais subiram de patamar em todos os lares», diz Helio Rotenberg, da Positivo. «Teve gente que, no início da pandemia, saiu à procura de computador velho para deixar para os estudantes. Mas logo percebeu que era preciso mais.»

A companhia anunciou neste ano o licenciamento da marca Compaq no Brasil, que pertence à americana HP. São notebooks de preço intermediário, entre R$ 2.800 e R$ 3.500, uma nova opção entre os modelos básicos da linha Positivo e os sofisticados da marca Vaio.

Já a Volkswagen inovou ao oferecer no fim do ano passado o carro por assinatura: uma modalidade em que o cliente não precisa se preocupar com detalhes que saem caro após a compra, como IPVA, documentação, seguro e manutenção do automóvel. O valor da assinatura costuma ser menor que o da prestação.

«Demoramos, mas conseguimos chegar a um modelo em que a conta fecha para todos: montadora, concessionários e clientes», diz Pablo Di Si, da Volkswagen.

Com o novo serviço, a Volks procura entrar em sintonia com as novas gerações de consumidores, que buscam menos a propriedade dos bens para se centrar no seu usufruto. Daí o sucesso de apps como Uber e 99. Acontece o mesmo com os imóveis, tendo em vista a popularidade do Airbnb.

A MRV Engenharia já tinha lançado antes da pandemia o Luggo, empreendimento 100% voltado à locação dos imóveis.

A empresa tem quatro empreendimentos neste estilo e, agora, está construindo mais dez.

«São espaços que já vêm com o coworking na área comum do edifício e aluguel em torno de R$ 1.400», diz Eduardo Fischer, presidente da MRV.

5 – Sociedade justa e sustentável

O público espera solidariedade das marcas em momentos de crise. A ideia de contrapartidas sociais e ambientais parece justa aos olhos da sociedade, que contribui para o lucro das empresas.

Nos últimos meses de 2020, 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no Brasil enfrentou algum grau de insegurança alimentar, segundo relatório da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

Dezenas de empresas se mobilizaram e fizeram doações durante a pandemia, mas a questão vai muito além e resvala nas desigualdades estruturais da sociedade, calcadas nas diferenças de raça, gênero e classe social.

«Eu enfrento a crise sanitária de um local privilegiado: estou em home office e tenho ajuda nas demandas de casa e família», diz Juliana Azevedo, da P&G. «Mas a imensa maioria da população não conta com isso e as empresas precisam compreender esta realidade de perto, ajudando a construir soluções.»

Juliana, aliás, é a única mulher no time de presidentes de empresas de bens de consumo ouvidos pela Folha. Na seleção, não existe um líder negro –uma radiografia do quão desigual é o primeiro escalão das companhias.

«A pandemia ajudou muitos líderes de empresas a terem um tempo consigo mesmos, de reflexão, o que contribuiu para que eles tomassem partido em questões sensíveis, como o racismo estrutural», diz Federico Eisner, sócio da consultoria Bain & Company.

A Bain se uniu a outras grandes empresas no Brasil para criar o Mover «» Movimento pela Equidade Racial, que pretende gerar 10 mil novas posições de liderança para pessoas negras e oportunidades para outras 3 milhões nos próximos anos. Estão sendo investidos R$ 45 milhões no programa até 2024.

Entre as companhias que compõem o Mover está a Mondelez, dona da marca Lacta no Brasil. «A pandemia nos deixou a impressão de que estamos mais conectados do que nunca, todos no mesmo barco», diz o presidente da companhia no país, Liel Miranda.

«Não tem como uma empresa crescer e deixar a sociedade para trás. Esse mundo não tem mais como existir.»

6 – Aprendizagem com erros

O pontapé para a criação do Mover foi a tragédia ocorrida em uma loja do Carrefour, em Porto Alegre, em novembro do ano passado. João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi assassinado por um segurança da rede em 19 de novembro de 2020, véspera da comemoração do Dia da Consciência Negra no Brasil.

O episódio gerou fortes protestos em diferentes cidades do país, na esteira do movimento «Vidas negras importam», desencadeado nos Estados Unidos depois que um homem negro, George Floyd, foi asfixiado e morto por um policial branco em maio do ano passado.

João Alberto foi levado por dois seguranças brancos terceirizados do Carrefour (um deles, policial militar) até o estacionamento da loja. Ali, foi espancado e asfixiado até morte.

«Assumimos a nossa responsabilidade no caso e procuramos entender os motivos que levaram a esse desfecho», diz o presidente do Carrefour no Brasil, Noël Prioux.

A empresa vem sendo pioneira na contratação e treinamento dos próprios agentes de segurança –uma vez que, no varejo, a regra é terceirizar o serviço, o que já deu margem a diversos episódios de violência e discriminação, envolvendo diversas redes.

«Queremos profissionais que ajudem os clientes, não que os intimidem», diz Prioux.

A rede vem investindo pesado nas compensações. O Carrefour assumiu compromissos com autoridades públicas no valor de R$ 115 milhões para promover ações em favor da igualdade racial. A viúva de João Alberto, Milena Borges Alves, recebeu uma indenização cujo valor não foi revelado, mas supera R$ 1 milhão.

Ainda assim, no último dia 29, a rede foi acusada de censura e intimidação pela Universidade Zumbi dos Palmares, envolvendo o lançamento de um livro que relata o caso de João Alberto. O Carrefour disse que gostaria de ter sido procurado pelos autores, mas que não iria tomar nenhuma medida para impedir a divulgação da obra.

Em um mundo conectado em tempo real, a transparência é a melhor estratégia.

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